[TL; DR] EarthBound & MOTHER 3 (Snes, GBA)

Started by Strife, Nov 24, 2015, 23:55:55

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Strife


A série MOTHER/EarthBound é uma anomalia na indústria dos jogos: se trata de uma trilogia de RPGs criada e controlada completamente por uma pessoa de fora desse universo. No caso, um autor chamado Shigesato Itoi. Não apenas um escritor (seu trabalho mais famoso internacionalmente é a coletânea Let's meet in a dream, 1981, que escreveu junto com Haruki Murakami, um dos maiores escritores japoneses da atualidade e referência em literatura pós-moderna), mas uma mente criativa que sempre pareceu mergulhar de cabeça em qualquer projeto ou tema que despertasse sua curiosidade. Envolveu-se com copywriting, participou de reality shows, atuou na TV, fez voice-acting para o estúdio Ghibli (Meu vizinho Totoro) e finalmente se envolveu com jogos através da Nintendo (além da série MOTHER e de jogos de pescaria – outro interesse dele – Itoi batizou o primeiro portátil da empresa, o Gameboy).


Como começou essa parceria improvável? Para isso, precisamos antes relembrar um "pequeno" fenômeno que aconteceu nos anos 80 no Japão: Dragon Quest. Sim, a série reconhecida por ter criado os JRPGs explodiu no Japão com uma força tão grande que mesmo adultos que nunca tinham segurado um

desses na vida se viram viciados na febre "dorakue". Imagino que Itoi, de olho na novidade, tenha se interessado por videogames nessa época. Sua experiência inicial com Dragon Quest deve ter sido entender como aquilo estava viciando milhões de japoneses, crianças e adultos. Reza a lenda que Itoi, numa visita a Nintendo sobre outros assuntos (o então presidente Hiroshi Yamauchi era fã dos trabalhos de autor), abordou Shigeru Miyamoto, criador de pilares da indústria como Mario e Zelda, com a intenção de criar um jogo. Fontes dizem que Miyamoto inicialmente foi relutante à ideia, pois tinha receio de celebridades de fora se envolvendo com jogos (uma combinação que mesmo na época já rendia produtos de baixa qualidade). Aparentemente o apoio de Yamauchi (que na época estava caçando talentos para criar novos conteúdos para os jogos da empresa) e a seriedade de Itoi acabaram por convencer Miyamoto, e pouco depois a APE, uma subsidiária da Nintendo recém-criada por Yamauchi, ficou à disposição de Itoi (anos depois, membros-chave da APE se envolveriam na criação de uma coisinha chamada Pokemon).


Da esquerda pra direita, os três primeiros Dragon Quests em suas versões originais para Nes.

É preciso aplaudir a atitude da Nintendo com relação a isso, especialmente se considerar que a intenção de Itoi era criar um RPG nos moldes de Dragon Quest, que sequer era uma franquia da empresa. Mas a ideia não era meramente criar uma paródia ou um Dragon Quest no mundo moderno, como muitos achavam. Lembrem-se, Itoi é um escritor. Provavelmente se interessou na mídia como um novo formato de contar histórias, e esse sempre foi seu foco (anos mais tarde, quando os projetos de Earthbound 64 haviam sido cancelados, fãs perguntaram a Itoi se havia chances de MOTHER 3 ver a luz do dia como um conto ou algo parecido, e Itoi respondeu categoricamente que suas ideias para o projeto jamais funcionaram em nenhum outro formato que não fosse um jogo).

Mas a parceria deu certo, e MOTHER foi um sucesso de críticas e vendas no Japão. Embora a Nintendo tivesse planos para lançar o jogo nos EUA (já sob o nome de EarthBound), tais planos eventualmente foram cancelados, pois o mercado estava mudando e a própria Nintendo já estava preparando o sucessor do Famicom/Nes, o Super Nintendo. Talvez a parte mais triste dessa história é que a tradução de MOTHER estava praticamente finalizada. O lado bom é que anos mais tarde um colecionador adquiriu o cartucho de produção de MOTHER com o texto inserido, e a partir daí um grupo de fãs terminou o projeto, liberando para o público como EarthBound Zero.


Não falarei em detalhes do primeiro MOTHER/EarthBound Zero, visto que não o joguei. Fui apresentado ao gênero apenas no Snes, então não tenho nostalgia por nada dessa época (estou longe de me considerar um "graficista", mas creio que meu limite seja mesmo os 16-bits). Para efeitos deste texto, basta saber que uma continuação foi aprovada imediatamente após o lançamento de MOTHER no Japão e Itoi mergulhou de cabeça no projeto, que viria se revelar muito mais árduo que do jogo original. O tempo de produção (agora contando com a ajuda da HAL Laboratories) chegou aos cinco anos, grande mesmo para padrões atuais, e parece que só o envolvimento de Satoru Iwata (RIP), programador que anos mais tarde se tornaria presidente da Nintendo, salvou o jogo que viria a ser conhecido como MOTHER 2 no Japão e EarthBound nos EUA. Sim, desta vez a Nintendo conseguiu lançar o jogo do outro lado do Pacífico, mas os resultados foram desastrosos. Mesmo com uma campanha multimilionária de marketing, EarthBound foi um fracasso de vendas. Muitos culpam o próprio marketing duvidoso que o jogo recebeu ("This game stinks!"), mas precisamos lembrar que estamos falando de 1994 ~1995. JRPGs ainda eram um gênero de nicho, e só jogos da Square, criadora de Final Fantasy, pareciam conseguir qualquer reconhecimento fora do Japão, e mesmo assim longe do sucesso que só seria alcançado por Final Fantasy VII em 1997. Nos EUA era tempo de jogos como Doom e Mortal Kombat; duvido mesmo que o departamento de marketing da Nintendo of America sequer soubesse lidar com um jogo como EarthBound. Nem mesmo os "críticos profissionais" entenderam a proposta. O resultado é que a Nintendo nunca mais se dispôs a lançar nada de MOTHER fora da terra do sol nascente.

Porém, o fracasso comercial de EarthBound foi diretamente inverso ao efeito que o jogo teve nos poucos que o adquiriram. Uma fanbase fervorosa tinha nascido com o jogo, e é graças a esses fãs que hoje podemos jogar MOTHER 1 e 3 em inglês. Sempre tive curiosidade pela série, mas um fator me impedia:


Sim, batalhas em turno em primeira pessoa. Nada mais natural, uma vez que MOTHER foi concebido nos moldes de Dragon Quest (que só recentemente começou a abandonar essa visão), mas é um fator pessoal que sempre me impediu de aproveitar EarthBound (nada contra turnos, meu tipo de batalhas de RPGs favorito, mas o fato de não ver meus personagens atacando sempre me pareceu incrivelmente entediante). Até agora. Mas vamos por partes.

A primeira coisa que me surpreendeu foram os gráficos, que transbordam charme e personalidade. A visão isométrica e a ambientação nos tempos modernos já são suficientes para diferenciar EarthBound de 99% dos outros RPGs da sua época, mas grande parte da beleza de EarthBound está nos detalhes. Chega a ser surreal que grande parte das críticas no lançamento foi a respeito dos gráficos, pois poucos jogos de Snes são tão bonitos. Não existe uma repetição sequer de cenário e a variação de modelos de NPCs deixa qualquer outro concorrente contemporâneo em desvantagem. Cada cidade de EarthBound parece viva, chegar na próxima é um evento. Enquanto a maioria dos RPGs trata cidades ou vilas como meros pontos de descanso entre uma dungeon e outra, EarthBound faz o inverso. O resultado é que o jogador realmente se sente num ambiente vivo enquanto caminha pelas ruas de Onett ou Threed.


Claro, outro fator que ajuda na fantástica ambientação de EarthBound é a qualidade do texto (ah, a diferença que ter um escritor de verdade não faz, imaginem se Sakaguchi tivesse contratado Kiyoshi Shigematsu para escrever toda a história de Lost Odyssey e não apenas os sonhos do Kaim). Nunca antes eu me senti compelido a conversar com todo e qualquer NPC que eu encontrasse dessa maneira. De informações inúteis a piadas bobas, cada diálogo é um prazer de ler (Itoi escreveu na íntegra os scripts de todos os jogos da série). Novamente preciso aplaudir o esforço da Nintendo, pois o trabalho de localização de EarthBound é anos a frente do seu tempo (li que cuidado especial foi tomado para que o senso de humor característico de Itoi não se perdesse na tradução). Ainda hoje, é possivelmente um dos melhores trabalhos no gênero. Não estou exagerando quando coloco a localização de EarthBound ao lado de jogos como Final Fantasy XII, Vagrant Story e Dragon Quest VIII.

O que nos leva ao enredo de EarthBound. Não quero "spoilar" nada para ninguém, pois a história de EarthBound consegue ao mesmo tempo ser simples, engraçada, triste e emocionante. O nome original da série no Japão é MOTHER, e todos os jogos são focados em relação familiares de uma forma ou de outra (mesmo com os gráficos coloridos, MOTHER 3 no fundo é uma história sobre uma família destruída). Itoi aborda os temas fugindo das piores características melodramáticas do gênero, mas a grande força das narrativas de EarthBound/MOTHER é realmente na sua abordagem específica que já mencionei: são histórias e situações criadas especificamente para funcionar como um jogo. Nenhuma outra mídia como filmes, livros ou HQs conseguiriam reproduzir o que EarthBound faz, pois mesmo os sistemas de jogos são integrados com a narrativa, e isso é essencial para sua proposta: não é um jogo tentando ser filme, é um jogo que abraça tudo que um jogo pode fazer. Itoi usa as mecânicas de RPGs, ou melhor, as mecânicas de Dragon Quest (sou da opinião que Itoi nunca jogou nada além de Dragon Quest I, II e III) para criar uma experiência que só seria na possibilidade de interação do jogador com o universo criado pelos desenvolvedores (algo impossível de ocorrer entre um autor e seus leitores, por exemplo). Não tenho dúvidas de que essa foi a principal característica que levou Itoi a se interessar por jogos e, mais especificamente, pelos RPGs (durante anos, dadas as limitações técnicas das gerações, o gênero foi o meio mais apropriado para se contar histórias em jogos).

Dessa maneira, EarthBound pode ser visto como uma paródia de Dragon Quest e convenções de RPGs em geral, mas no bom sentido. Ele constantemente brinca com as mecânicas e expectativas dos jogadores (sidequests que não dão nenhuma recompensa a não ser a experiência em si, por exemplo, não funcionariam se EarthBound não fosse tão divertido de se explorar). Muitas vezes o jogo cai no bizarro e no surreal, sem dúvida pela influência pós-modernista de Itoi. E drogas, provavelmente. Certamente devem ter notado os planos de fundo psicodélicos das batalhas, mas vai muito além. A trilha sonora de EarthBound eu classificaria como "Dark Side of the Moon para jogos 16-bits": estranha, nem sempre agradável aos ouvidos, mas evocativa de qualquer maneira. Há pelo menos duas cenas que envolvem alucinógenos (embora nunca de maneira explícita). Em uma, Ness e seus amigos consomem uma bebida que os transporta para uma realidade alternativa em que as cores possuem vida própria, ninguém fala nada com nada e mesmo os inimigos são mais bizarros (eu ri quando tive que lutar com um

relógio do Salvador Dali). Em outra, o culpado é um item chamado "magic cake" (hm). Curiosidade: cogumelos alucinógenos eram legais no Japão até 2007. Considerando seus trabalhos e sua natureza, não me surpreenderia se descobrisse que Itoi já teve suas experiências com tais substâncias.


OK, agora aos sistemas do jogo em si. Sim, as batalhas são em primeira pessoa e seguem o molde básico de DQ, mas em alguns aspectos EarthBound foi bastante inovador. Não existe encontros aleatórios, inimigos aparecem no mapa. Inimigos mais fracos fogem do jogador, e se a diferença de nível for muito grande, o jogador pode mesmo matar esses inimigos apenas encostando neles (e ganhando EXP de qualquer maneira), o que ajuda na exploração. Apesar da simplicidade das batalhas, o desafio é bom e cada personagem possui habilidades únicas que se complementam. Outro ponto bastante inovador de EarthBound é a maneira como lida com o HP. Diferente de todos os outros RPGs que já joguei, os HPs dos personagens se encontram num contador. Quando se toma dano, o número não cai automaticamente para a subtração dos valores, mas começa a diminuir até chegar ao ponto certo. O que isso significa é que, mesmo que seu personagem tenha 100 de HP e levar um golpe que tira 150, a morte não será imediata, mas apenas quando o contador chegar a zero (defender faz com que o contador diminua mais lentamente). Se o jogador for rápido o suficiente, ele pode se curar ou mesmo terminar a batalha antes que isso aconteça, o que dá uma urgência própria aos combates de EarthBound (isso e o fato de que o humor do jogo também está presente nas lutas me ajudaram a aturar a visão em primeira pessoa). A velocidade das batalhas também é um pouco devagar para o meu gosto, coisa que jogar emulando ajudou (bendito fast-forward do Zsnes).

Entretanto, se é inovador em alguns sentidos, EarthBound também pode ser irritantemente arcaico em outros (nada mais natural para um jogo que tenta emular Dragon Quest). O inventário do jogo é um bom exemplo: truncado e ultrapassado, é uma grande frustração nas primeiras horas, quando o jogador só tem um ou dois personagens a seu dispor (cada personagem possui seu menu de itens próprio). Não ajuda nada que itens-chave da história e equipamentos dividem o inventário com itens normais, e os mesmos não se acumulam (se tiver dois Cookies, ao invés de aparecer Cookie x2, você terá dois Cookies ocupando espaços distintos). Até mesmo o serviço de depósito e entrega (você pode ligar para sua irmã, o que permite depositar ou retirar itens, pagando uma pequena taxa) é limitado. Era compreensível essas asneiras na época do primeiro Dragon Quest para Nintendinho dadas as limitações técnicas, mas quase imperdoável para um RPG de Snes de 1994. Pelo menos esses problemas são amenizados à medida que se avança no jogo, com mais personagens no grupo e mais magias que reduzem a necessidade de carregar itens de cura, mas ainda assim é uma chateação desnecessária.


Agora, se tem uma coisa interessante de se jogar hoje em dia, é perceber o quanto EarthBound é atual. Ninguém entendeu o que Hideo Kojima tentou fazer com Metal Gear Solid 2 em 2001 (que é praticamente o movimento pós-moderno japonês em forma de jogo, assim como Evangelion foi para animes); hoje, especialmente após a "revolução" indie, é comum ver jogos que tentam ser retro, apelando para nostalgia ou sendo meta quebrando a quarta barreira para brincar com o jogador ("há há, um jogo que sabe que é um jogo"). Bem, EarthBound fez tudo isso a mais de 20 anos atrás, e de maneira muito mais elegante que a maioria, de forma a acrescentar algo e não para simplesmente ser "cool". Exemplo: em certos momentos do jogo, quando o jogador passa por algum lugar específico, um fotógrafo aparece do nada, tira um foto do grupo naquele lugar e vai embora. Hoje em dia, encontrar todos os lugares das fotos certamente seria um achievement/trophy, mas em EarthBound isso serve um propósito narrativo que só se descobre no final. Enfim, não é à toa que muitos desenvolvedores indies se dizem inspirados por EarthBound/MOTHER (caso recente do sucesso de Undertale, que sinceramente achei overrated até dizer chega).

Para finalizar meu texto sobre EarthBound, segue uma citação de um artigo da Kotaku que resume perfeitamente minha visão a respeito do jogo:

"Veja bem, o que torna EarthBound especial não é seu sistema de combate, ou sua história, ou sua trilha sonora, ou qualquer outro desses elementos individuais que críticos gostam de dividir e dissecar como se fossem partes de um sapo num laboratório. O que torna EarthBound especial é a maneira como aproveita ao máximo a mídia dos jogos para explorar o tipo de ideias malucas que não seriam possíveis em nenhum outro lugar." (fonte)

Strife


Após EarthBound, fãs tiveram que esperar anos e anos para ter alguma notícia sobre uma continuação, e tudo parecia perdido quando o projeto inicial de MOTHER 3 para N64 (conhecido por essas bandas como EarthBound 64) foi cancelado. Relatos dizem que Itoi e seu time, inexperientes com o desenvolvimento de jogos em 3D, tiveram dificuldades que eventualmente levaram ao projeto ser arquivado indefinidamente (não ajudou que o jogo estava sendo planejado para o 64DD, o fracassado add-on do N64). Aparentemente, Satoru Iwata deu uma entrevista certa vez onde o próprio se perguntou porque MOTHER 3 precisava ser 3D quando "a maior força de Itoi reside nas suas palavras", e que ambos foram pegos na febre dos gráficos 3D em detrimento do 2D, tão comum naqueles tempos. Novamente, dizem os rumores que Itoi uma vez dividiu um táxi com Iwata e Shigeru Miyamoto, e Miyamoto teria sugerido que o Gameboy Advance seria uma plataforma mais adequada. MOTHER 3 para GBA viria a ser oficialmente anunciado quando a Nintendo lançou a coletânea MOTHER 1 + 2, também para o GBA (e apenas no Japão, para a surpresa de ninguém).

MOTHER 3 é ao mesmo tempo uma continuação de EarthBound, uma história independente e o último capítulo da série (Itoi já afirmou que não há planos para MOTHER 4). Muito mais cinemático e focado nos personagens que seu antecessor direto (EarthBound é mais sobre a viagem dos heróis, inclusive seguindo quase ao pé da letra a jornada do herói de Joseph Campbell), mas sem perder o charme característico (embora eu ache que o jogo tenha perdido um pouco disso na parte visual ao abandonar a visão isométrica, e também que os gráficos lavados do GBA empalidecem em relação ao Snes).


MOTHER 3 trouxe várias melhorias bem-vindas. As batalhas, embora ainda em primeira pessoa, são muito mais rápidas e envolventes que as de EarthBound. O contador de HP retorna, junto com a adição de um sistema de combos baseados nas batidas musicais (e extremamente difícil de conseguir fazer em emulação, mas não são necessários para se terminar o jogo). Aliás, acho que não ficou claro no texto sobre EarthBound, mas música ocupa um lugar central tanto lá quanto aqui, mas em nenhum outro lugar fica mais evidente do que nas batalhas de MOTHER 3. Os já mencionados combos são baseados nas músicas, e habilidades específicas de personagens também afetam as batidas musicais (vale lembrar que EarthBound e MOTHER 3 possuem uma quantidade impressionante de temas distintos de batalhas, o que ajuda a dar mais variedade aos encontros).

Os problemas de inventário de EarthBound foram na maior parte consertados em MOTHER 3, assim como a interface dos menus e batalhas em geral. MOTHER 3 é um jogo bem menor (e linear) que os grandes mapas de EarthBound, mas mesmo isso serve um fim específico.

A grande diferença fica mesmo na estrutura de MOTHER 3, dividido em vários capítulos com personagens indo e vindo, além de uma grande passagem de tempo (anos) ao longo da narrativa (o próprio protagonista, Lucas, só entra ativamente na história no capítulo 4). Uma narrativa muito mais focada e com um claro fim para toda a história da série levam a crer que Itoi realmente planejou que tudo acabasse em MOTHER 3. Mas o maior elogio é como MOTHER 3, um jogo aparentemente para crianças e cartunesco, trata com maturidade relações familiares que outros jogos pretensiosos e supostamente maduros sequer sonharam em fazer. Fora uma característica que evitei mencionar muito pois, novamente, não quero dar spoilers, mas EarthBound e MOTHER 3 parecem genuinamente interessados em você, o ser humano jogador do outro lado da tela, e como a experiência de chegar ao fim do jogo deve ter sido (e nem mencionei as óbvias mensagens condenando capitalismo e consumismo presentes em ambos).


Alguns pontos de MOTHER 3 também são mais controversos, o que me leva a pensar que rancor pelos americanos que não compraram EarthBound em 1994 não foi o único motivo para que MOTHER 3 ficasse somente no Japão. Se temas como sexualidade e suicídio não fossem suficientes, MOTHER 3 ainda possui referências explícitas a drogas desta vez, ao invés das insinuações de EarthBound. Em certo momento da história, Lucas e o resto do grupo acabam numa ilha, quase mortos e sem nenhum item ou mesmo PP (Psychic Points, o MP da série) para se recuperar. A única opção são uns cogumelos de questionável aparência, que o jogador tem que fazer a escolha consciente de comer. O resultado a se seguir é uma pequena dungeon onde os inimigos e cenários aparecem de forma bizarra, e muitas vezes provocando os personagens com seus piores medos (em algo não muito distante de uma bad trip). Não contente com isso, MOTHER 3 ainda faz o jogador retornar ao mesmo local posteriormente apenas para observar como as coisas eram "de verdade". Vocês conseguem imaginar alguém tentando aprovar um jogo supostamente para crianças que contém uma cena específica onde o jogador se vê forçado a consumir drogas? A Nintendo nunca lançaria isso nos EUA (o próprio EarthBound já poderia ser considerado uma anomalia no catálogo norte-americano da empresa). Outra curiosidade: a empresa nunca interferiu com o projeto de tradução dos fãs, mesmo com fontes afirmando que tanto a Nintendo quanto o próprio Itoi sabiam do projeto. Sintam-se livres para tirarem as próprias conclusões.

MOTHER 3 para GBA certamente é um RPG excelente, mas menos focado nos elementos que mais me interessaram em EarthBound. Por essas e outras não tenho o mesmo apreço por ele mesmo reconhecendo tudo que faz de melhor, mas EarthBound realmente foi uma experiência diferente. Mesmo com as batalhas em primeira pessoa, já se encontra no meu top 5 de RPGs do Snes, e isso não é dizer pouca coisa. Quem sabe agora eu não consiga encarar um Dragon Quest sem ser o VIII (pensando em começar pelo remake do III para Snes), mas a combinação de fatores de EarthBound, do seu criador ao processo de desenvolvimento, é algo que dificilmente acontecerá novamente na indústria dos jogos.


What's the world there like? It looks like things will work out here, but what about your world? Will it be alright?


Referências:

http://starmen.net/

https://en.wikipedia.org/wiki/Mother_(video_game_series)

http://kotaku.com/5903445/earthbound-the-trippiest-game-in-rpg-history

http://www.hardcoregaming101.net/mother/mother1.htm

http://socksmakepeoplesexy.net/index.php?a=mother

http://www.actionbutton.net/?p=422

Billy Lee Black

Tá aí uma série que nunca consegui jogar. Comecei o primeiro no SNES, mas larguei por conta do combate ruim e a história que não estava prendendo também...

Strife

Acho que gostaria mais do MOTHER 3, Billy. O sistema de batalhas é bem superior e possui uma trama e personagens bem definidos em comparação a EarthBound.

Como disse no texto, EarthBound é mais sobre a jornada, sobre a forma como mexe com a cabeça do jogador. MOTHER 3 tem mais do que se considera uma história tradicional.

Baha

Finalmente tirei o atraso e joguei Earthbound!

Dessa vez meu review não vai conter detalhes sobre como o jogo é/funciona, visto que o Strife já fez um trabalho bem completo nesse sentido ali em cima. Vou falar mais sobre minhas impressões e comentar sobre algumas coisas que o Strife escreveu.

Começando pelos gráficos, a verdade é que tecnicamente eles são avançados sim, mas dá pra entender o motivo de algumas pessoas acharem eles fracos. A direção de arte do jogo é bastante incomum para o gênero e para a plataforma de maneira geral. Além de adotar um estilo bastante americanizado, o modo como quase tudo é desenhado, usando um pixel art cru e seco, com bordas "duras" passa uma sensação de amadorismo. Enquanto games como os da Squaresoft enchiam tudo de "sujeira" e detalhes, e usavam muitos truques visuais para que o cérebro do jogador preenchesse detalhes onde eles não existiam ou estavam ambíguos, em Earthbound tudo é bem definido até demais e as limitações ficam aparentes.

Os elementos de cenário também são em sua maioria muito limpos e com uso bastante limitado de sombras, sendo comum haver superfícies de objetos e de elementos de arquitetura apresentadas como uma única cor chapada. O jogo usa geralmente cores claras, mas parte dessas cores lembra bastante a paleta do NES e isso deve causar uma impressão estranha também. Os elementos mais trabalhados estão guardados para bem mais adiante no jogo. A reta final conta com alguns cenários bastante impressionantes, levando em conta o restante do jogo.

Segue uma comparação com Final Fantasy VI, lançado na mesma época:



Em relação ao gameplay, eu senti algo parecido com o que ocorreu em Legend of Legaia, com o jogo ganhando fôlego à medida que se aproximava da reta final. Mas enquanto lá o ritmo era bastante inconsistente até aquele ponto, aqui ele começa consistentemente difícil de engolir antes de começar a melhorar. A presença dos inimigos no mapa e seu comportamento é algo realmente à frente de seu tempo, mas o gerenciamento do inventário e outros elementos arcaicos irritam. Mais pra frente os piores aspectos aliviam e você ganha coisas úteis, como fast travel, mas até lá teve partes em que eu tive que me forçar a continuar.

Algo que foi um tanto fascinante e sem dúvidas se deve ao escritor por trás do projeto é o modo como o jogo lida com o dia a dia dos personagens e as vezes funciona quase como um jogo educativo pra crianças em alguns aspectos. Você não consegue dinheiro pilhando dos inimigos, mas é o seu pai quem deposita numa conta bancária à qual você tem acesso. Aliás você não mata pessoas e nem a maioria das criaturas, mas apenas espanta ou acorda da hipnose ou coisas do tipo. Seu protagonista precisa ligar regularmente pra casa ou vai ficar deprimido. Há uma lição sobre responsabilidade financeira no fato de que é recomendado sacar apenas o que você vai usar a curto prazo, mais uma reserva sensata, e deixar o resto do dinheiro depositado. Não fique no meio da rua na hora de ler o itinerário dos ônibus. Existe bastante interação com personagens que estão seguindo suas próprias rotinas/missões com objetivos próprios, ao invés de quase todos os NPCs parecerem ter nascido para aguardar o dia em que poderiam ser úteis a você. (mas convenhamos que pra alguns literalmente é o caso)

Claro, mesmo assim a história é bastante surreal e, como todo bom JRPG (e por que não, como todo bom conto infantil), depende de alguns eventos e reações ocorrerem de formas que jamais seriam possíveis no mundo real. Seus pais são surpreendentemente rápidos em aceitar que seu moleque precisa sair em uma jornada pra salvar o mundo acompanhado apenas de outras crianças, por exemplo. Mas a forma como as situações são conduzidas é algo que se atenta a certos detalhes que são muito raros de serem considerados em jogos, e isso é muito interessante de acompanhar.

É um jogo que contém um enorme valor, digamos, didático sobre a história do gênero e de jogos em geral, mas é uma pena que faltou um polimento quanto à fluidez do gameplay para eliminar os momentos em que você precisa se forçar a jogar sob a promessa de que algo proveitoso vai aparecer mais adiante.