Revisitando Ivalice: Vagrant Story (PS1)

Started by Strife, Jun 25, 2018, 08:23:19

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Strife


Depois de mais de uma década, finalmente revisitei Vagrant Story, o segundo projeto de Yasumi Matsuno na Square e o primeiro jogo da empresa a receber nota perfeita na Famitsu. Queria muito zerá-lo novamente, para ver como as mecânicas dele que me incomodaram no passado cairiam agora com meu gosto mais amadurecido (eufemismo para falar que tô velho). Isso porque minha memória era ter adorado todos os elementos de Vagrant Story, incluindo o sistema de batalhas, mas que a complexidade excessiva dos sistemas de customização e menus arcaicos atrapalhavam o fluir do jogo em si. Antes de adentrar nesses pontos, porém, uma breve recapitulação.

Logo de início, é impressionante como a apresentação e visual do jogo envelheceu bem. No que diz respeito a jogos inteiramente 3D, é o melhor exemplar do PS1. Os modelos dos personagens fazem uso de poucas texturas e sombras de uma maneira muito inteligente para contornar as limitações técnicas, o resultado disso é que as ilustrações de Akihiko Yoshida são muito bem transpostas para o universo tridimensional. Assim como Final Fantasy XII envelheceu muito bem graças à combinação do entendimento técnico da plataforma e a impecável direção de arte, o mesmo ocorre com Vagrant Story. A fluência dos movimentos e o jogo de câmera é topo de linha, basta observar os dez minutos iniciais para ver o melhor exemplo do aspecto cinemático de jogos daquela geração. As cenas são dinâmicas, efeitos de luz e sombra realçam os detalhes e os personagens são muito bem animados e expressivos, mesmo sem vozes.


O que é muito bom, porque Vagrant Story é provavelmente a história mais coesa já criada por Yasumi Matsuno. O diretor afirmou que metade do conteúdo teve que ser cortado, mas ainda assim o enredo não perde o fôlego. Alguns personagens secundários são pouco desenvolvidos, mas ao contrário de Final Fantasy Tactics (que as tramas políticas acabam dando lugar à busca sem graça por pedras mágicas para evitar o renascimento de um demônio no último capítulo, ainda que o epílogo compense) e Final Fantasy XII (e seu sério problema de pacing no último terço e o final corrido), a menor escala de Vagrant Story ajuda muito em manter o clima até o final. Se FFT foi inspirado pela Guerra das Rosas e FFXII pega muito emprestado de tragédias gregas, a inspiração de Matsuno parece ter sido as perseguições às bruxas e intolerância religiosa. A caçada de Ashley Riot por Sydney Losstarot, o líder de um culto religioso, leva o soldado até a cidade perdida de Léa Monde, onde forças sinistras se manifestam e vários grupos diferentes procuram pelo segredo de seus poderes.

A cidade de Léa Monde é quase um personagem em si. Pessoas que morrem nela não morrem verdadeiramente, mas suas almas ficam presas no lugar, condenadas a permanecer na forma de monstros e criaturas, dando uma justificativa aos inimigos do jogo. Tudo isso trazido à vida por um ótimo design interligado, dando um ar de Metroidvania à exploração. A trilha sonora de Hitoshi Sakimoto completa o pacote, é incrível como o trabalho do compositor é parte tão integral do mundo de Ivalice. E nenhum texto sobre Vagrant Story seria completo sem a menção à tradução de Alexander O. Smith, que afirmou ter usado como influências a série A Song of Ice and Fire e Shakespeare (bem apropriado, já que a inspiração do bardo na história é mais do que óbvio, e não só porque temos personagens chamados Guildenstern e Rosencrantz). É um trabalho primoroso que foi continuado em FFXII, embora o mesmo não pode ser dito da versão War of the Lions de FFT, que exagerou nos floreios literários (Smith não foi o responsável por essa tradução, cabe dizer).


Mas tudo isso já era conhecido, são aspectos que admirei em Vagrant Story desde seu lançamento, meu interesse agora era analisar a jogabilidade com outros olhos. E assim como aconteceu com minha experiência da série Souls, devo dizer que mudou da água pro vinho. Agora tenho plena noção que eu não tinha entendido quase nada do jogo, que é de fato bem complexo e com uma alta curva de dificuldade. Porém, não é tão complexo quanto outros podem fazer parecer, uma pesquisa rápida de qualquer FAQ dele é o suficiente para intimidar qualquer um, mas posso dizer que é completamente desnecessário. Joguei sem consultar nenhum FAQ (exceto para resolver duas puzzles), apenas consultando o manual contido no menu principal para os princípios básicos. Tal qual Dark Souls (por exemplo), envolve muita tentativa e erro, mas eventualmente o jogo vai se revelando para o jogador. O aspecto das armas é o que costuma assustar muita gente, pois as armas possuem vários atributos diferentes que mudam de acordo com os inimigos, afinidade de tipos de dano, afinidade de elementos etc., mas a verdade é que se preocupar com tudo isso constantemente não é necessário. Eu segui uma estratégia bem básica, consistindo, em primeiro lugar, em ignorar armas de duas mãos. Acho-as mais difíceis para realizar combos com o timing certo e o dano extra não compensa a falta de um bom escudo para defesa. Com elas foras do caminho, mantive quatro armas diferentes: uma de dano Edge, uma de dano Piercing, uma de dano Blunt e alguma arma feita de Silver (nesse caso não interessa o tipo básico de dano, armas de Silver possuem afinidade com Light alta, e como não há magia de imbuir esse elemento nas armas, é a melhor maneira de matar inimigos Undead/Phantom). E é basicamente isso, com quatro tipos de armas completei o jogo todo, sem ficar arrancando os cabelos pensando se eu matasse um tipo de inimigo diferente ia estragar a afinidade da arma para outro tipo. A criação de armas é mais simples do que parece, então modificar e criar novas armas se tornou segunda natureza.


Com o aspecto mais problemático de lado, o jogo oferece várias outras ferramentas para o jogador se adaptar aos inimigos. Eu diria que as três primeiras horas são o maior empecilho para se pegar o jeito, porque o jogador ainda não dispõe das magias de buffs e debuffs (bem como gemas para colocar nas armas e alterar as afinidades) tão essenciais para o combate. Mas ainda assim o sistema é profundo o suficiente para recompensar quem está atento às possibilidades. Um bom exemplo é o Golem, o primeiro chefe que costuma dar trabalho para todo mundo, com os jogadores causando 1 ou 2 de dano nele. E de fato, aconteceu comigo. Testei todas as armas que eu tinha, e nenhuma causava dano decente. Mas uma solução diferente me ocorreu, usar a Chain Ability de contra-ataque. Como ele causava dano pesado em mim, o contra-ataque refletia danos altos nele. Após treinar o timing certo para a habilidade, e conservando meu MP para me curar, venci o chefe de maneira "passiva". E Vagrant Story é assim com praticamente todo inimigo, como se os criadores tivessem feito o sistema de batalhas de maneira que todo encontro fosse diferente e mantivesse o jogador atento. E conseguiram, pois mesmo quando eu matava um inimigo ou chefe "facilmente", a sensação era de que venci porque soube driblar todas as defesas dele de maneira eficiente, ao invés de ficar meia hora atacando, errando ou causando danos ridículos, como aconteceu 18 anos atrás (já falei que estou velho?).

Com tudo que aprendi nessa nova jogada, até mesmo a barra de Risk, que tinha me incomodado da primeira vez, me fez apreciar ainda mais as lutas. Para quem não conhece, em Vagrant Story cada ataque físico bem-sucedido aumenta o Risk. Quanto maior o atributo, maior o dano que causa e recebe, mas as chances de acertar golpes vão diminuindo. Muita gente, eu incluso, costumava reclamar que isso fazia com que ataques mais erravam do que conectavam, mas é uma faceta do combate para não deixar que os combos fiquem poderosos demais (seria como a barra de stamina de Souls). Para diminuir o Risk, apenas esperando sem atacar ou usando itens (que são limitados, e não há lojas para comprar). Contornar isso, porém, é só outro aspecto que adiciona tensão às lutas, como conservar os ataques para o momento certo, usar magias ou Break Arts (golpes especiais que usam HP, mas não aumentam Risk). Isso que nem mencionei que os inimigos possuem várias áreas de ataque diferentes com atributos e afinidades diferentes (estava sofrendo com um dragão até usar Analyze nele e ver que o rabo tinha fraqueza a armas do tipo Edge, por exemplo).


Como podem ver, não me faltam novos elogios a Vagrant Story, mas ainda não deixei de lembrar os vários aspectos que prejudicam a experiência. Como se pode notar pelos parágrafos acima, lutar nesse jogo é um processo complexo, exigindo muito micromanagement. Mesmo com alguns atalhos no layout do controle, o jogador irá, sim, constantemente abrir menus no meio e entre as lutas. Às vezes é possível explorar uma boa área com uma arma, pegando um bom ritmo, mas outros locais praticamente forçam a mudar de equipamento a cada inimigo. E os menus de Vagrant Story são desnecessariamente convolutos. Trocar de arma leva vários passos, e pode dobrar isso se também quiser acoplar gemas. Criar armas nas Workshops também é dispendioso, principalmente pelo fato que os Containers (baús a la Resident Evil que você pode guardar e pegar seus itens) exigem que você salve o jogo sempre que os utilize (e isso consome mais tempo do que deveria). Animações de magias e habilidades possuem um carregamento enjoado e desnecessário, embora eu suspeite que parte da razão disso é para facilitar o timing para atacar e defender dos golpes, mas ainda assim poderia ser melhor. O pior, contudo, é que boa parte disso poderia ser contornado com simples soluções. Um (im)provável remake ou remaster poderia facilmente adaptar uma interface mais eficiente no controle que melhoraria muito. Alguns exemplos: L2 é o atalho que traz as opções de combate (magias, habilidades e itens), e funciona muito bem. Porém, o R2 é usado apenas para andar, algo que eu jamais precisei usar e mesmo assim poderia ser substituído por sensibilidade no analógico esquerdo, deixando o R2 para ser usado como um atalho para troca de armas, acessórios e gemas no combate sem ter que acessar o menu principal. Igualmente, o analógico direito é usado para entrar na visão em primeira pessoa, outra coisa inútil. Se alocar o controle da câmera para ele, já libera L1 e R1 para outras opções. Com essas simples mudanças e uma enxugada no menu principal para ser mais rápido e direto ao ponto já seria uma enorme diferença na forma como Vagrant Story flui (e já que estamos nisso, seria ótimo fazer com que todas as Workshops permitam modificar armas de todos os materiais, ao invés de limitar algumas para Bronze/Iron/Hagane e outras apenas para Silver/Damascus, por exemplo).


Reclamações à parte, posso dizer que só agora aproveitei de fato Vagrant Story pelo conjunto da obra. Se tornou um dos meus jogos favoritos de todos os tempos e é disparado o melhor RPG/Ação que a Square já fez. Yasumi Matsuno e sua equipe dos tempos dourados da Square (Hiroyuki Ito, Hiroshi Minagawa, Hitoshi Sakimoto, Akihiko Yoshida, Jun Akiyama e vários outros) criaram uma trilogia não-oficial fantástica no mundo de Ivalice, entre os melhores trabalhos de uma empresa antigamente conhecida pela sua qualidade e inovação e que dificilmente voltará a ser o que era.

Baha

Vagrant Story foi um dos jogos que eu acabei pulando quando fiz minha limpa na geração do PS1, mas vou voltar pra ele um dia.

Billy Lee Black

Eu adorei o gráfico e o gameplay desse jogo. Mas eu esperava muito mais em termos de escala, afinal, ele só passa inteiro nas ruínas dessa cidade. Eu queria esse jogo com esse mesmo sistema e universo em um RPG com um mapa convencional.

Uma dúvida: em FFXII há algum ligação com esse jogo? Eu não me lembro.

Strife

Eu curto esse design contido dele, mesmo sendo "apenas" uma cidade, é enorme e muito bem-feita. E não é curto, levei 25h, para um RPG/Ação é uma ótima duração. Tem um conteúdo pós-game que talvez faça no futuro, algumas áreas trancadas por chaves que não encontrei e acho que só no New Game+ que acha (Rood Inverse e Gold Key).

FFT, FFXII e VS todos se passam no mesmo mundo, Ivalice, mas em épocas diferentes.

Em ordem cronológica da história, FFXII vem primeiro, seguido por FFT e depois VS. Não há ligação direta, mas tem pontos de ligação e easter eggs ligando os jogos. Exemplos:

FFXII corresponde à "era da magia" mencionada em FFT. Em algum período de tempo entre os jogos, as raças de FFXII foram extintas ou cortaram relações com os humanos, e a magia foi gradualmente diminuindo do mundo, ao ponto que em VS só restaram humanos e magia é uma arte esquecida que só poucos podem usar (ao contrário do uso comum em FFXII).

Em FFXII a religião dominante é a Light of Kiltia, referenciada em VS. Em FFXII há uma menção a Ajora, que viria a ser o St. Ajora da Glabados Church de FFT. Assim como no mundo real, as religiões politeístas de FFXII deram lugar a religiões monoteístas em FFT e VS.

Arazlam Durai, descendente de Olan Durai (personagem de FFT) é um historiador que descobriu a verdade sobre a War of the Lions de FFT, e é citado em VS.

Bunansa é o sobrenome do Mustadio e seu pai em FFT. Balthier e seu pai em FFXII possuem o mesmo sobrenome.

Em VS encontrei um item pertencente à Agrias de FFT.

As Zodiac Stones de FFT tem origem nas Espers de FFXII, que foram trancados em pedras pelos deuses Occuria.

VS se passa no reino de Valendia, Valendia é um continente de FFXII ao norte dos eventos do jogo etc.

Imagem do mundo de Ivalice mostrando onde se passam os jogos:


Gamersnake

Vagrant Story é incrível. Queria que tivesse um "remake" só pra melhorar essas partes desengonçadas de menu e mecânicas, mas continua sendo um dos meus preferidos do PS1 e da Square como um todo.