[Review] Dragon Quest 2 / Dragon Warrior 2 (NES)

Started by Baha, Jul 29, 2018, 12:17:03

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Baha



Dragon Quest 2 foi lançado pela Enix em 1987 para o Famicom, apenas 9 meses depois do primeiro jogo, e chegou ao ocidente como Dragon Warrior 2 em 1990.

Enredo

Background

Dragon Quest 2 é uma continuação direta do primeiro jogo, se passando 100 anos depois, nas regiões ao redor das localidades do anterior.

Depois do final do primeiro Dragon Quest, o herói levou a princesa de Tantegel para explorar novas terras e fundar seu próprio reino. E aparentemente deu tudo certo, pois agora há não um, mas três reinos prósperos governados por seus descendentes.



Mas a alegria não estava destinada a durar para sempre. O sacerdote Hargon, governante das terras gélidas de Rhone lançou um ataque contra o reino de Moonbrooke, destruindo totalmente o lugar, como um dos primeiros passos em sua campanha de dominação. Um dos poucos soldados sobreviventes conseguiu suportar uma viagem até o reino de Midenhall para avisar ao governante de lá.

E assim que recebe as más notícias, o rei decide enviar seu filho em uma aventura para reunir as pessoas da linhagem de seus ancestrais e lançar um contra-ataque a Hargon.

Comentários

A história de Dragon Quest 2 é um pouco mais elaborada que a do primeiro jogo, mas tudo ainda é bastante convencional, simples e superficial. É no worldbuilding e nos pequenos eventos que o jogo se sobressai.

Desta vez você não joga mais com um herói solitário, mas o príncipe de Midenhall terá a oportunidade de recrutar a ajuda de dois de seus primos, também parte da realeza de outras terras: O príncipe de Cannock e a princesa de Moonbrooke, que sobreviveu ao ataque.



Quase nenhum evento de desenvolvimento da história central acontece aqui também. Você realizará pequenas side quests que afetam alguns NPCs e te rendem recompensas, mas o estado geral do mundo não muda entre o início e o fim do jogo. Exceto na abertura e no encerramento, o jogo segue a mesma fórmula do anterior, sem cutscenes.

Os eventos mais desenvolvidos são os que envolvem a apresentação e aquisição dos outros personagens jogáveis, especialmente a princesa. Muito do que ocorre nas cidades é novamente a coleta de informação e de itens necessários ao progresso. A maioria das cidades possui algum pequeno evento, que pode envolver um item escondido ou um personagem que pode te dar algo ou te passar dicas sobre o que há para se fazer antes de conseguir ir em busca de Hargon.



A construção de mundo é um pouco mais profunda aqui, pois a quantidade maior de localidades permite mostrar em maiores detalhes como cada lugar está reagindo aos eventos recentes, além de alguns locais possuírem particularidades em termos de ambientação. Em uma cidade só há mulheres e crianças por causa dos pescadores. Outra é lar de um tecelão famoso. Outra possui um forte comércio, incluindo mercado negro se você souber com quem falar. Alguns aspectos de atenção a detalhes também são muito interessantes. Por exemplo, é possível dormir e se recuperar enquanto está sob efeito de uma ilusão, mas sua situação volta ao que era antes quando a ilusão é quebrada.

Inclusive a região do primeiro jogo está contida no mundo de Dragon Quest 2 (em escala reduzida), e é interessante ver como as coisas mudaram em 100 anos. Infelizmente poucas localidades de lá estão acessíveis, mas dentre elas há algumas surpresas interessantes.



Um aspecto bem interessante da série, que inclusive estava presente no primeiro jogo e eu havia esquecido de mencionar, é a forma como, após terminar o jogo, você tem a oportunidade de viajar o mundo (sem combates) e conversar com as pessoas, que estarão comemorando sua vitória.

Gráficos

Os gráficos do jogo mudaram pouco com relação ao anterior, e dessa vez menos melhorias foram feitas na versão americana. Alguns NPCs estão com um visual mais simplório, e agora os combates sempre acontecem num fundo totalmente preto. Isso talvez também tenha sido necessário pelas limitações do hardware, já que agora vários sprites de inimigos são visíveis em combate.



Falando nos sprites dos inimigos em combate, eles são todos bastante expressivos, trazendo novamente o traço característico de Akira Toriyama.

Definitivamente há uma variedade maior de tiles para melhorar a diferenciação das muitas localidades do jogo, mas o estilo visual se mantém o mesmo do primeiro jogo.

Som

Pessoalmente, eu considero que Dragon Quest 2 trouxe uma boa evolução nesse aspecto. As composições são mais complexas, e algumas músicas muito boas estão presentes, fazendo um uso bem mais avançado das limitadas capacidades de som do NES.



Em especial, a primeira música do overworld me pegou de surpresa. É interessante também que a música muda a partir do momento em que você está com todos os 3 personagens no grupo.

Gameplay

Exploração

O gameplay básico de exploração sofreu poucas mudanças com relação ao primeiro jogo. Você ainda precisa abrir um menu para interagir com quase tudo, mas algumas ações foram condensadas (como procurar no chão e abrir baús), e outras ficaram automáticas, como usar escadas. Uma coisa bem inconveniente é ter que manualmente entrar no inventário e selecionar a chave sempre que for abrir uma porta, e as portas sempre voltam quando você sai de um local.



Uma das motivações na produção do jogo foi trazer de volta um pouco da complexidade dos RPGs de computador que inspiraram a série, mas que foi amplamente removida no primeiro Dragon Quest para criar uma experiência simples e acessível.

O mundo do jogo é muito maior que o do primeiro jogo, e possui mais regiões, cidades e dungeons. Tão grande aliás, que como mencionado antes a região do jogo anterior está contida nele, apesar da mudança de escala e do "desaparecimento" de várias cidades e dungeons. Por causa desse mundo mais vasto, agora é possível salvar em diversas cidades, e não apenas com o rei do castelo onde você começa, como era feito no jogo anterior. Além disso a magia de retorno te leva para a última cidade onde você salvou, ou meramente conversou com o NPC responável.



Enquanto o primeiro Dragon Quest te dava uma liberdade muito grande para explorar desde o começo, dessa vez há mais barreiras que seguram sua progressão em certas regiões antes de te permitir avançar, trazendo uma progressão mais linear e guiada na primeira parte do jogo.

A segunda parte do jogo é bem mais aberta, por um importante motivo: Dragon Quest 2 introduz veículos à franquia! Mais especificamente, você adquire um navio, e pode viajar pelos mares para alcançar diversas novas localidades. Infelizmente a execução disso teve alguns problemas.



Em primeiro lugar, ao contrário do primeiro jogo, aqui diversas vezes as dicas e o direcionamento que você consegue investigando e conversando com os NPCs é bastante vago, o que pode te levar a ter que vagar sem rumo e explorar às cegas com frequência. Seu lado investigativo vai precisar ser muito mais apurado aqui, se não quiser usar guias.

Além disso o navio é lento, não existe um mapa do mundo para se localizar, algumas localidades são pequenas e ficam bem fora de mão, e há combates no mar. Aqui a magia "Repel" salva sua vida e sua paciência. De qualquer maneira, explorar com o navio pode ser um inferno se você se privar de usar guias ou mapas da internet. Eu não me sujeitei a isso, e tratei de consultar um mapa.



A mudança mais importante é que agora você não joga mais apenas com um protagonista, mas adquire mais personagens até formar um grupo de 3 pessoas. Você escolhe o nome do primeiro príncipe e o jogo escolhe o dos outros dois aleatoriamente usando o nome do primeiro como semente. Isso dá uma dinâmica diferente ao combate e gerenciamento de inventário, e se tornaria padrão para o gênero no futuro.

Infelizmente a forma como isso foi executado trouxe alguns problemas sérios. No meu review do primeiro jogo eu mencionei que a simplicidade do jogo ajudava a contrabalancear os seus aspectos arcaicos e não torná-lo tão cansativo, mesmo tantos anos depois. Dragon Quest 2 é um jogo maior e mais complexo, mas tão arcaico quanto o primeiro, e isso acaba pesando muito mais na experiência.



Cada personagem possui 8 espaços no seu inventário e, ao contrário do primeiro primeiro jogo, onde alguns itens stackavam, agora tudo ocupa espaço individual nesses inventários. Pior ainda, os equipamentos também ocupam espaço, pois agora você tem gerenciamento completo deles, mas eles continuam no inventário mesmo quando estão equipados. Juntando isso ao fato de que mais itens-chave são adquiridos (e compartilham o mesmo inventário com tudo mais) por causa da dimensão maior do jogo, o gerenciamento manual do seu espaço será muito frequente.



Os personagens em si também são bastante desequilibrados. O príncipe de Midenhall é totalmente focado em combate físico. Ele não aprende nenhuma magia e pode equipar quase todos os equipamentos do jogo, sendo o mais forte e tendo o maior HP. A progressão dos níveis mantém essas características. O príncipe de Cannock é parecido com o herói do primeiro jogo, fazendo um pouco de tudo. Ele tem várias magias e uma seleção limitada de equipamentos, além de atributos físicos piores que o outro príncipe. A princesa de Moonbrooke é totalmente voltada para magia. Ela tem o menor HP e as maiores limitações de equipamentos, mas o maior MP e algumas das magias mais poderosas.

O problema é que a seleção de equipamentos para o segundo príncipe e a princesa é limitada demais, deixando eles extremamente defasados durante todo o jogo. Demora muito para o príncipe de Cannock se tornar minimamente útil com ataques físicos para ajudar o de Midenhall, e suas magias de ataque não são tão efetivas para justificar o custo de MP, que é usado de forma mais eficiente com curas. Sua principal vantagem são as magias utilitárias, como escapar de dungeons, retornar à cidade, proteger contra áreas do chão que causam dano, etc. Já a princesa é sempre muito frágil e vai morrer com frequência. Uma boa vestimenta para ela pode ser conseguida em uma side quest muito tarde no jogo.



Falando em equilíbrio, a curva de dificuldade do jogo é totalmente desequilibrada. São comuns as paredes no seu progresso causadas por inimigos subitamente muito mais fortes, exigindo sessões de grinding. O cúmulo disso acontece na área final do jogo, onde o salto é tão colossal que você pode precisar grindar DEZ níveis para poder prosseguir de forma minimamente confortável. Esse problema é potencializado pelo fato de os combates de grupo contra grupo serem bem mais demorados e complexos que no primeiro Dragon Quest. Abusei sem dó da funcionalidade de fast-forward do emulador nesse jogo.

Dragon Quest 2 traz um minigame de caça-níqueis! Usa-se tickets, ganhos em combate ou como brinde de vendedores. O maior prêmio é o Golden Card, que dá desconto em lojas, mas o comportamento é aleatório e não tive pena de usar savestates.



Com o tamanho maior do jogo como um todo, a quantidade de dungeons também aumentou, e a complexidade das que aparecem mais adiante também. Felizmente o sistema de escuridão foi abandonado, mas agora há o conceito de "salas" utilizado em algumas delas, com você só conseguindo ver o que está na mesma sala ou corredor que você. Ainda assim, isso possibilita maior visibilidade e facilidade para se orientar que no primeiro jogo. Algumas dungeons se tornam bem labirínticas, chegando a ser desnecessariamente convolutas em alguns casos, cheias de caminhos errados, becos e situações onde você anda em círculos. Vai ser comum precisar de mais de uma viagem para explorar algumas delas, tendo que voltar para se reabastecer na cidade. Ainda assim, o design é quase sempre BEM mais sensato e administrável que o das dungeons de Phantasy Star 2.

Os combates continuam utilizando o sistema de encontros aleatórios, que agora parecem levemente mais bem distribuídos que no primeiro jogo, mas ainda vão acontecer encontros a um passo um do outro em algumas situações. Assim como o primeiro, o jogo não possui chefes espalhados pelo jogo, exceto em raras e específicas situações, com os confrontos diferenciados guardados todos para o final.



Combate

O combate em Dragon Quest 2 evoluiu para uma estrutura muito mais próxima do que se tornaria padrão no gênero, mas mantendo suas bases.

Agora, além de usar o grupo de personagens, você também enfrenta vários inimigos em um único combate. Esses inimigos são divididos em grupos, e a mecânica é idêntica à do primeiro Lufia (ou melhor, a mecânica de Lufia é idêntica à de Dragon Quest 2). Todas as ações são escolhidas no início de cada turno, e então ocorrem em uma ordem influenciada pelas agilidades dos personagens. Quando um personagem vai atacar, é preciso selecionar um grupo. O personagem ataca um dos inimigos do grupo, mas você não tem controle sobre qual. Se um inimigo de um grupo for morto por um personagem, outro personagem que tinha recebido o comando para atacar o mesmo grupo vai atacar outro inimigo do grupo, mas se o último inimigo de um grupo for morto, outro personagem que ia atacar esse grupo vai ter seu ataque inutilizado. Há magias que afetam inimigos individuais, grupos inteiros ou todos os inimigos.



Uma outra novidade é a inclusão de 2 status negativos novos: veneno e cegueira (que não é de fato cegueira aqui, mas funciona da mesma forma). Curiosamente o veneno só age efetivamente fora de combate, causando dano a cada passo se não for curado. Cegueira gera uma certa chance de errar ataques.

As vezes inimigos deixam itens ao final do combate também, algo que não acontecia no primeiro.



Em teoria é um bom sistema, exceto pelos ocasionais ataques perdidos, mas um pouco de planejamento nas ações evita muito disso. Onde os problemas ocorrem é no equilíbrio. Certos grupos de inimigos podem facilmente dizimar personagens seus em um único turno, e é fatal encontrá-los logo após um salto de dificuldade no jogo. Existe também a magia "Sacrifice" que mata o usuário, mas elimina todos os inimigos com 100% de sucesso. É inaceitável que inimigos tenham essa magia à disposição, mas aqui alguns possuem, e com isso podem destruir todo o seu avanço imediatamente sem que você possa fazer qualquer coisa a respeito. Tudo isso  coloca um fator sorte alto demais nas suas chances de sucesso durante a exploração de locais perigosos.

Conclusão

Bem mais longo que o primeiro jogo, com pelo menos o dobro da sua duração, Dragon Quest 2 é considerado por boa parte da comunidade como a ovelha negra da série, e seus vários problemas deixam claras as razões. O jogo expandiu diversos sistemas e conceitos, mas fez muito disso de forma pouco satisfatória. Dragon Quest implementava sua simplicidade de forma bem superior a como Dragon Quest 2 implementa sua complexidade. Além disso, há sérios problemas de equilíbrio na curva de dificuldade e na forma como ele distribui a necessidade de grinding durante o jogo.



Muito disso deve ter sido causado pela pressa no desenvolvimento do jogo. Ainda assim, a natureza dos problemas de Dragon Quest 2 é de execução, pois as bases das suas ideias são sólidas. É diferente do caso de Final Fantasy 2, que possui ideias e sistemas fundamentalmente ruins e que dificilmente poderiam ser salvos por refinamentos.

E a prova disso é que nos remakes que recebeu, Dragon Quest 2 teve implementadas várias melhorias que mitigaram seus piores aspectos. Novamente joguei o remake mais recente, disponível para smartphones.



Além de todas as mesmas melhorias já presentes no remake do primeiro jogo, nele a progressão foi toda rebalanceada, incluindo o ganho de atributos dos seus personagens, a necessidade de experiência para o avanço de níveis, e as recompensas em experiência e ouro dos inimigos, amenizando muito a necessidade de grinding. A infame sessão de grinding na reta final continua presente, mas muito mais administrável que no original. O layout de algumas dungeons também sofreu alterações para ficar mais amigável.



Diversas outras melhorias importantes foram realizadas. Os custos de MP das magias foram revistos, bem como a efetividade de algumas. A magia de retorno agora te permite escolher qualquer cidade previamente visitada para retornar, se tornando um conveniente sistema de fast travel. As opções de equipamento para os outros personagens foram vastamente expandidas, principalmente as do príncipe de Cannock, que agora é viável como atacante físico. O sistema de banco para guardar itens, do qual eu reclamei no jogo anterior, aqui ajuda muito com o gerenciamento de inventário. O caça-níqueis agora tem um comportamento consistente. Um prático world map acessível a qualquer momento no overworld torna o uso do navio muito mais eficiente. A própria área visível muito maior na tela ajuda bastante também. Curiosamente o último chefe foi reequilibrado de forma a ficar bem mais difícil e demorar muito mais para morrer.



Para quem quiser conhecer o jogo e não tiver a mesma mentalidade e tolerância que eu para tentar o original, recomendo essa versão. É preciso apenas se acostumar como o jeito de falar dos personagens...