[Review] Dragon Quest 8 (PS2)

Started by Baha, Nov 20, 2018, 23:07:40

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Baha



Lançado no final de 2004 para o Playstation 2 no Japão e chegando ao ocidente no ano seguinte, Dragon Quest 8: Journey of the Cursed King é também o primeiro a manter o nome original em sua localização ocidental, não mais precisando ser alterado para Dragon Warrior por problemas legais. Dessa vez o jogo foi produzido em parceria com a Level 5, e após a fusão da Enix com a Squaresoft.

Enredo

Background

A história de Dragon Quest 8 se inicia acompanhando o rei Trode, que está viajando em busca de Dhoulmagus, um sinistro mago/bobo-da-corte (e vencedor do último concurso anual de imitadores do Kefka) que amaldiçoou e efetivamente destruiu todo o seu reino, além de especificamente ter transformado a aparência de Trode em uma espécie de mini-troll e sua filha Medea em um cavalo.



O único outro sobrevivente desses eventos é um guarda do castelo (que parece o Goku de bandana), que vem a ser o protagonista do jogo, e está escoltando Trode em sua busca.

Comentários

A história central de Dragon Quest 8 é de longe a que mais apresenta desenvolvimento em toda a série. Os seus conceitos e elementos são bem comuns, mas ela é apresentada de forma bastante detalhada através de diversos eventos e cutscenes.



Diferente de muitos dos jogos anteriores, aqui na maior parte dos eventos da história o seu grupo possui algum envolvimento ou relevância. Seja algo relacionado ao backstory de algum dos seus personagens ou simplesmente alinhado com interesses e motivações atuais deles, o fato é que as localidades e os NPCs possuem uma relação muito mais pessoal com o grupo, se comparado ao padrão da série. Em diversos aspectos isso lembra a abordagem mais comum em Final Fantasy.

Essa sequência de eventos, aliás, é apresentada com um ritmo muito bom, sabendo dosar bem seus pontos de clímax com eventos mais calmos e alongados, sem deixar a narrativa cair em desenvolvimentos entediantes e excessivamente arrastados. Isso é um contraste enorme com Dragon Quest 7, que fazia um dos piores trabalhos que eu já vi nesse aspecto.



Aproveitando a comparação com o jogo anterior, enquanto lá havia um arco principal que ficava quase o tempo todo em segundo plano, com pequenas crônicas de cada localidade sempre tomando os holofotes, aqui é o inverso. Seu grupo ainda vai se envolver com as situações pessoais dos NPCs e os problemas regionais dos povoados, mas isso nunca ofusca o foco nos seus objetivos principais e frequentemente esses eventos se conectam com eles de alguma forma. E isso é feito de formas bem mais interessantes que a abordagem de "o vilão quebrou o mundo em X partes e em cada uma deixou alguém do seu fã-clube fazendo maldades diferentes" que Dragon Quest 7 usou. Aqui há um senso de progresso muito palpável a cada momento, sem parecer que você está apenas voltando a diferentes estacas-zero enquanto a história principal fica estagnada.

Seu grupo é bem conciso. Além de Trode e Medea, que possuem um papel de suporte e importância no enredo, mas que você não controla diretamente, você começa com 2 personagens combatentes, e mais dois se juntam à caravana no decorrer da aventura. Exceto por um pequeno desfalque temporário, todos eles também ficam com você até o fim. Isso também permite ao jogo a oportunidade de envolver e desenvolver cada um desses personagens, algo que de fato se realiza aqui de forma bem mais elaborada que no restante da série. Ainda não chega perto do tipo de desenvolvimento profundo e cheio de nuances que alguns jogos dão a seus personagens, mas para os padrões de Dragon Quest já é algo anos-luz à frente do que se espera.



Esses personagens, aliás, juntamente com alguns NPCs de maior importância, são todos bastante únicos e carismáticos. Suas personalidades também evitam pender para o insuportável (apesar do Angelo às vezes forçar um pouco a barra) e em geral é tudo bem agradável de acompanhar. Os principais destaques ficam por conta de Trode e Yangus.

Mas e o protagonista? Bom, por mais evoluído que Dragon Quest 8 seja, algumas tradições da série ele se recusa a abandonar, e o protagonista mudo que você pode nomear é uma delas. Num jogo com eventos e cutscenes tão elaborados o contraste dele com tudo ao redor fica mais gritante do que nunca. Sempre com uma cara de surpresa ou uma expressão vazia durante as conversas, ele tira grande parte da imersão. Dito isso, o texto do jogo tem um cuidado extra em tentar evitar situações onde isso estraga as cenas, geralmente tendo sempre alguma outra pessoa pra falar no lugar dele quando o evento exige que alguém se pronuncie. Na prática ele também "fala" e isso inclusive é exibido nas animações das cutscenes, mas nunca é mostrado qualquer texto ou voz exibindo o que ele diz, de forma semelhante a como Adol é caracterizado na série Ys. O problema maior é que esse personagem tem um backstory, e também uma personalidade que pode ser inferida por esse passado. Não é como num RPG ocidental em que o personagem que você cria é realmente um livro em branco que você preenche com as características que quiser projetar nele.



As conversas aliás costumam conter algumas opções de resposta em determinadas situações, mas provavelmente de propósito para homenagear as origens da série, o jogo não deixa a conversa avançar até você escolher a resposta "certa". "But thou must", indeed... São raríssimas as ocasiões onde alguma decisão sua influencia no rumo de algo, mesmo em side quests menores.

Falando em conversas, o Party Chat continua presente, mas agora é bem menos abrangente que em alguns outros jogos da série. Em Dragon Quest 7 e no remake de Dragon Quest 4 por exemplo, era frequente seus companheiros terem algo a comentar até mesmo sobre o que algum NPC avulso disse, mas aqui eles quase sempre só têm algo a dizer sobre as localidades ou eventos mais relevantes.



Do lado dos vilões não há muitos nomes, mas onde o jogo faz um bom trabalho é no aspecto do envolvimento com o seu grupo. As interações são frequentes e a importância pessoal do vilão e suas ações para os personagens ajuda a temperar a história. Eu mencionei que é feito um "bom" trabalho, mas não ótimo, pois aqui é usado aquele conceito de "vilão sempre um passo à frente dos heróis". Se formos pensar em Sephiroth de FF7 ou Kuja de FF9, durante a maior parte dos eventos principais do jogo o grupo está constantemente correndo atrás do vilão, mas o máximo que consegue é assistir enquanto os planos e ações do inimigo se desenrolam exatamente como ele quer... Só pra no final conseguirem alcançar e matar ele. Em Dragon Quest 8 o caso não é tão extremo, e há uma ou outra ocasião em que as ações do seu grupo conseguem ao menos atrasar um pouco os objetivos do vilão, mas mesmo assim vão haver muitas situações de chegar tarde demais em algum lugar, e o que resta é atuar minimizando as consequências e estragos.

Depois das duas "trilogias" da série, Dragon Quest 8 quebra a tradição não possuindo nenhuma ligação, nem mesmo vaga, com o sétimo jogo da série.

Spoiler
Surpreendentemente ele acaba revelando uma ligação com Dragon Quest 3!

Gráficos

Com um salto descomunal em relação aos anteriores, Dragon Quest 8 não é apenas o Dragon Quest mais bonito até o momento, mas é facilmente um dos jogos mais bonitos do Playstation 2 em geral.



É possível ver a experiência da Level 5 com cell shading em ação, pois esse estilo caiu como uma luva para o visual extremamente colorido e totalmente 3D do jogo que pela primeira vez traz totalmente à vida os designs de Akira Toriyama. Todos os modelos dos personagens, incluindo NPCs, são de altíssima qualidade e representam de forma inconfundível o estilo visual de Dragon Ball e das artworks de Dragon Quest que populavam manuais e material promocional ao longo dos anos. As proporções dos modelos dos personagens são realistas agora, transpondo diretamente seu visual nas artworks. As animações também são muito abrangentes e detalhadas. Interagir com qualquer objeto do cenário, como armários e estantes, possui uma animação própria do personagem verificando o local.

Os cenários são grandes e detalhados, com um draw distance enorme, mas mantendo uma qualidade satisfatória mesmo de perto, evitando sacrifícios que Xenoblade Chronicles, lançado para Wii vários anos depois, fez ao executar a construção de seus próprios cenários vastos. É possível notar um avançado sistema de Level of Detail em ação garantindo que tudo funcione sem perda de desempenho. Aliás, achei o sistema de LoD aqui mais bem implementado que o de Final Fantasy XII, com as mudanças de qualidade dos modelos sendo mais sutis e menos perceptíveis. Na maior parte do tempo os únicos pop-ins são de NPCs e alguns objetos menores. As cidades são plenamente modeladas, com os interiores das casas acessíveis, apesar da maioria não ser muito grande e ter um aspecto bem condensado com relação aos principais pontos de interesse. Os cenários costumam ter, aliás, um aspecto "amplo", lembrando um pouco a arquitetura e geografia comuns em MMOs, mas sem chegar aos mesmos extremos que esses jogos. Sem dúvidas isso facilita o trabalho da câmera. Alguns locais interiores ainda mantêm proporções visuais mais modestas.



A câmera é livre e por padrão fica nas costas do personagem, podendo ser movida à vontade com L/R e o analógico direito, como em Final Fantasy XII, Wild Arms 5 e Rogue Galaxy. Isso vale para todo e qualquer cenário e nunca há uma ocasião onde seu controle da câmera sofra limitações.

O overworld do jogo é realmente impressionante. Ele é em escala real, mas em termos práticos de funcionamento ainda está mais próximo de um overworld de JRPG do que de um open world moderno, algo que vou explicar mais a fundo ao falar do gameplay. A geografia é muito detalhada, cheia de vegetação, e são raras as situações em que você consegue perceber os limites do draw distance. Qualquer região trafegável a pé é totalmente contínua, sem transições de tela, as quais só ocorrem ao entrar em cidades e dungeons ou indo para outros continentes. Isso é algo muito mais avançado que, por exemplo, as pequenas regiões interconectadas de Star Ocean 3 ou Final Fantasy XII. Se você pode ver alguma coisa (que não seja uma montanha cinza, ou separado por água), então você provavelmente pode chegar lá sem nenhuma transição de tela. O mundo aliás é cheio de locais com belas paisagens, e algumas vezes isso por si só é um incentivo para explorar.



Além disso há uma segunda modelagem para o overworld, dessa vez totalmente completo, usada para quando você está navegando ou voando. Nesse caso o nível de detalhes é reduzido, como em um overworld mais clássico de JRPGs, mas ainda é bastante alto, e por isso mesmo essa é a única situação em que o draw distance da geografia é visivelmente limitado.

Uma contrapartida disso tudo é que, pela primeira vez na série, só o personagem à frente do grupo é mostrado durante a exploração, como em Final Fantasy. Fica subentendido que está todo mundo lá, mas visualmente os outros personagens só aparecem durante cutscenes e em combate. Algo especialmente estranho ocorre no overworld, em que é possível ouvir Medea relinchando quando você começa a andar (indicando que a caravana está presente), mesmo com apenas um personagem sendo visível. A impressão é que originalmente a ideia era ter todo o grupo visível, mas isso foi alterado por questões de desempenho.



O jogo possui pouquíssimas cenas pré-renderizadas, com a grande maioria sendo em tempo real. Praticamente todas essas cutscenes, das mais sociais até as cheias de ação, são plenamente animadas. Nada de conversas apenas entre retratos.

Em combate o padrão visual é mantido, com os personagens do seu grupo pela primeira vez na série sendo visíveis. O conceito visual dos cenários de batalha aliás segue a linha de Final Fantasy. Como em uma referência aos Dragon Quests anteriores, durante a escolha das suas ações a câmera fica em uma posição que mostra os inimigos exatamente da forma como nos combates em primeira pessoa clássicos, mas na hora das ações efetivamente se desenrolarem, tudo é plenamente animado e a câmera se comporta como em um Final Fantasy, alternando entre vários ângulos cinemáticos para mostrar tudo.



Uma das evoluções gráficas mais bem vindas está na interface, que foi totalmente retrabalhada para ficar moderna, bonita e prática. Isso vale tanto para os menus gerais quanto para o combate. Agora em combate há os devidos indicativos visuais para tudo o que ocorre. Status negativos, cura, dano... Agora tudo é mostrado de forma clara, concisa e imediata, sendo possível compreender a situação só batendo o olho. Descrições textuais ainda aparecem, mas não são mais imprescindíveis para acompanhar certas coisas.

E fique feliz por morar no ocidente: Grande parte das melhorias de interface, o que inclui todo o retrabalho visual, é algo exclusivo da localização. A versão japonesa segue o mesmo padrão de menus dos anteriores e inclusive é a base para as versões ocidentais de smartphones e 3DS. Se quiser a interface decente a sua única opção é a versão ocidental de PS2.



Dragon Quest 8 roda o tempo todo a sólidos 30fps, e além de tudo isso oferece suporte nativo a widescreen.

Todo esse deleite visual, inclusive, escala extremamente bem para altas resoluções, com o visual ficando ainda mais impressionante em um emulador. Os únicos problemas são a falta de um ou outro efeito, como o brilho (mais notável nas janelas dos interiores de castelos) e um estranho glitch envolvendo água, que felizmente ocorre apenas em uma única dungeon no começo do jogo. Outro problema é que ele é bem pesado, então se quiser emular em 4K com bom desempenho o tempo todo, prepare-se para investir em uma placa de vídeo e um bom processador.

Som

As músicas de Dragon Quest 8 são totalmente orquestradas e há algumas ótimas composições envolvidas, como o tema do overworld.



Todos os diálogos importantes e cutscenes são dublados. A dublagem é de boa qualidade (para o padrão anime) na maior parte do tempo. Alguns personagens secundários (e o Yangus) possuem sotaques e a qualidade da execução disso varia bastante.

E curiosamente, tanto a versão orquestrada da trilha sonora como a dublagem nos diálogos são aspectos exclusivos da localização ocidental. A versão do ocidente de 3DS ao menos trouxe dublagem novamente, mas mesmo lá as músicas são sintetizadas, apesar de terem recebido um retrabalho com relação às originais do PS2 japonês, que dizem ser bem ruinzinhas. Para ouvir a trilha orquestrada, novamente, a versão de PS2 ocidental é sua única opção.

Baha

Gameplay

Exploração

A primeira coisa que fica clara com relação ao gameplay de Dragon Quest 8 é a movimentação durante a exploração. Agora há um mundo totalmente 3D para explorar, e os controles nesse aspecto são muito semelhantes aos de Final Fantasy XII e Rogue Galaxy. Seu personagem é livre para se mover para qualquer direção e interagir com NPCs e objetos. O funcionamento da exploração em si, porém, não é diferente do que se espera de um JRPG de forma geral.



A interface reestruturada do jogo torna tudo imensamente mais prático que em qualquer um dos anteriores. Seu menu principal é dividido em abas, informações relevantes são facilmente acessíveis e condensadas de forma sensata, itens possuem ícones únicos que permitem a rápida identificação de tudo.

Algo que havia sido abandonado por Dragon Quest 6 e 7 e faz seu retorno aqui é o sistema de dia e noite. Agora o tempo passa dentro das cidades também, mas as rotinas dos NPCs se dividem de forma binária entre os períodos. Assim que anoitece rola uma micro-cutscene e todos os NPCs já estão imediatamente nos seus locais noturnos.



O party chat, como já mencionado, está presente, apesar dos seus personagens opinarem sobre menos coisas distintas. Uma vantagem é que agora é possível escolher personagens específicos para conversar.

Seu grupo de combate possui até 4 personagens, e é exatamente essa quantidade que a história vai colocar em suas mãos. Apesar de você ter literalmente uma caravana, o "sistema de caravana" de Dragon Quest 4 a 6 não está presente, mas também não há as trocas de personagem forçadas pelo enredo como em Dragon Quest 7. Apenas em uma ocasião você sofre um desfalque temporário, mas não dura muito.



Falando um pouco da minha opinião sobre overworlds. Um overworld permite conectar pontos de interesse óbvios e ao mesmo tempo dar margem à exploração e descoberta de segredos e áreas opcionais, sem exagerar na encheção de linguiça e permitindo omitir e abstrair certas características da travessia de grandes distâncias que acabariam sendo entediantes e perdas de tempo. Sim, limitações técnicas foram um óbvio e importante motivo para eles terem surgido nesse formato, mas isso não muda o fato de que as características que eu mencionei foram "efeitos colaterais positivos" da sua implementação.

A troca dos overworlds por pequenas regiões em escala real dos jogos a partir da geração do Playstation 2 me incomoda, pois essas regiões sempre parecem limitadas e restritivas, arruinando muito do senso de escala e grandiosidade que os mundos poderiam passar. Por outro lado, os open worlds mais modernos, excessivamente amplos e entupidos de "conteúdo" genérico e mal distribuído causam uma sobrecarga e falta de foco que mais atrapalha do que ajuda.



É meio irônico ter sido justamente Dragon Quest 8 o jogo que trouxe um meio termo que eu considero ideal entre essas duas abordagens, e um sucessor válido para os clássicos overworlds. Irônico porque sempre foi típico em Dragon Quest haver pouco ou nenhum conteúdo opcional e secreto para ser descoberto em seus overworlds. E mesmo aqui isso não mudou muito, ao menos no que se refere a conteúdo de maior escala, como dungeons, cidades e quests opcionais. Em quase todas as ocasiões a exploração vai te render acesso a algum baú ou monstro único, e eu considero isso uma oportunidade perdida para incluir uma ou outra dungeon pelo menos. Boa parte do conteúdo opcional é encontrado, ou ao menos iniciado, em lugares por onde você já passou como parte da campanha principal.

Os lugares que você explora são bem variados, apesar da maioria dos continentes terem um overworld semelhante. Você vai notar pequenas variações na flora, com diferentes tipos de árvores em cada região, e em algumas ocasiões elementos geográficos distintos.



Falando na exploração de modo geral, Dragon Quest 8 possui uma campanha central com uma sequência linear de eventos e locais para visitar, mas você nem sempre está limitado ao próximo local da história em termos de exploração. Algumas vezes é possível ir adiante e visitar cidades e dungeons antes da hora. Exceto por tesouros e compras, porém, geralmente não há nada para fazer nesses lugares antes da história mandar você para lá. Após expandir suas opções de transporte, o mundo se abre bem mais para você. Os eventos centrais da história ainda vão transcorrer de forma totalmente linear, mas agora ao menos existe um ou outro mini evento opcional para ver nas outras cidades.

A campanha central linear avança através de ações simples e seu direcionamento costuma ser bastante explícito. Ir para o lugar certo, falar com a pessoa certa, explorar a dungeon que foi mencionada, e assim por diante. Não há nada que lembre o conceito dos shards de Dragon Quest 7 e, portanto, vasculhar as cidades e o mundo é algo totalmente opcional. E ainda assim eu revirei cada canto. Não por isso ser necessário para eu conseguir avançar no jogo, mas porque realmente estava agradável procurar tudo, falar com as pessoas, encontrar tesouros, presenciar algum dos raros eventos opcionais. E em nenhum momento eu tinha a pressão de fazer isso para não ficar totalmente travado no jogo. A qualquer momento eu podia seguir com a história principal e voltar para explorar algo mais tarde, quando desse vontade.



Uma coisa bacana nesse jogo é que ao menos você tem algo pra fazer voando, tanto em termos de tesouros para encontrar quanto de eventos relevantes para dar andamento. Na série Dragon Quest sempre foi comum conseguir um meio de transporte voador extremamente tarde no jogo, e não haver quase nenhum local onde você só consegue chegar voando, exceto por uma ou duas localidades da campanha principal. Nem como conveniência o voo costumava servir, pois não era muito rápido e a presença das magias de teleporte inutilizava ele totalmente. Aqui é bem diferente. Atravessar o mundo voando é extremamente ágil e agradável, e como mencionado ainda há algo a se explorar após conseguir o voo.

Enquanto o sistema de dia e noite ausente em Dragon Quest 6 e 7 foi retomado aqui, o sistema de classes desses dois jogos foi deixado de lado. No lugar, agora há um sistema de skills ligadas a armas. Cada personagem possui 5 categorias de habilidade. 3 para armas (que variam entre cada personagem), uma para combate desarmado e uma pessoal. Ao ganhar níveis você ganha pontos que pode distribuir entre elas. Cada categoria pode ter até 100 pontos, e com determinadas quantidades de pontos alocados elas vão liberando habilidades. Mas atenção: Mesmo no nível 99 nenhum personagem vai ter o suficiente para preencher todas, e é provável que você termine o jogo em torno do nível 40. Por outro lado, é muito difícil criar uma build efetivamente ruim que dificulte demais seu avanço no jogo. A pior decisão em geral é tentar distribuir pontos igualmente entre todas. Isso é devido também a um simples motivo: Para as 4 primeiras categorias, a maioria das vantagens e habilidades só estão disponíveis quando o personagem está equipado com a arma da categoria, então costuma ser ideal escolher no máximo duas para se focar, e colocar pontos também na categoria pessoal do personagem. Esse é um sistema muito mais conciso e fechado, que elimina boa parte dos desequilíbrios presentes nos sistemas de DQ6 e 7, além de impedir builds excessivamente poderosas e forçar uma certa variedade entre os personagens.



Dinheiro é escasso no jogo, algo que se agrava à medida que a aventura avança, já que os preços dos novos equipamentos aumentam mais rápido que as recompensas dos combates. Sendo assim, após um certo ponto fica difícil se manter com os equipamentos atualizados sem farmar. Mas é aí que entra o sistema de alquimia para salvar sua vida.

Dragon Quest 8 introduz um sistema de crafting bastante simples, via alquimia. Basicamente você possui um caldeirão que pode ser usado nas cidades e no overworld, onde você pode colocar 2 itens (ou 3 após um certo ponto do jogo) e esperar um certo tempo (contabilizado em passos) para ver o que sai. Felizmente receitas inválidas falham na hora, e você não perde nem tempo e nem os materiais. Há muitas combinações possíveis e para descobri-las (sem internet) é preciso conversar com NPCs e principalmente verificar estantes. Você possui um catálogo de receitas com tudo o que já foi descoberto. A maior parte das receitas que você aprende com NPCs e livros não informa exatamente os ingredientes usados, passando descrições mais vagas ao invés disso ("um líquido especial" pode ser magic water). Não é necessário ter obtido a receita para conseguir produzir um item, e você é livre para experimentar. Se descobrir algo novo (ou aplicar com sucesso uma receita), a receita completa e com os itens exatos vai para o catálogo. Apenas uma parte das combinações possíveis possuem receitas espalhadas pelo mundo, aliás. Para algumas outras coisas você vai receber dicas genéricas que não geram receitas ("saint's ashes pode ser usado para remover maldições de itens") e outras coisas você vai ter que descobrir na base da tentativa e erro mesmo. O importante é que através desse sistema é possível conseguir equipamentos bem avançados relativamente cedo ou mesmo produzir itens para venda.



Uma outra tradição mantida de Dragon Quest são os encontros aleatórios. A frequência dos combates não é alta, mas o overworld amplo acaba fazendo isso pesar mais. Felizmente, à medida que o jogo avança você começa a ter opções para gerenciar melhor isso, como de costume na série.

Em termos de conteúdo opcional, temos de volta os cassinos, agora com um jogo de roleta do qual é extremamente fácil abusar. Também estão disponíveis as mini medals e suas ótimas recompensas.

Pelo mundo estão espalhados baús e também alguns monstros especiais. Esses monstros são versões únicas e mais fortes de monstros normais e dropam moedas especiais que podem ser vendidas. Mas sua principal utilidade é outra. Após uma certa parte do jogo a arena de monstros pode ser encontrada e após uma pequena quest fica disponível. A partir daí você pode recrutar monstros para formar um time e competir na arena. Você não controla os monstros em combate, mas a arena tem ótimos prêmios, incluindo a possibilidade de passar a invocar seu grupo de monstros nas batalhas normais.



Dragon Quest 8 também segue a tradição de liberar uma dungeon opcional após completar o jogo, mas dessa vez, estranhamente, esse conteúdo tem uma relevância muito forte. Antes era sempre algo provavelmente não canônico, envolvendo muitas vezes alguns conceitos meio surreais. Aqui é algo ligado diretamente a questões levantadas durante a aventura e que ficaram em aberto. Felizmente a parte que fecha isso tudo é a "parte fácil" do conteúdo, e os desafios realmente pesados ficam disponíveis só depois.

Combate

O sistema de combate de Dragon Quest 8 ainda é baseado no mesmo alicerce de toda a série, mas as melhorias na interface tornam tudo muito mais agradável. A velocidade das ações em combate é boa, mas algumas animações um pouco mais elaboradas tornam o combate menos ágil que, por exemplo, Dragon Quest 5 e 6.



As opções de IA continuam disponíveis como sempre, mas não há como definir uma estratégia para o protagonista, o que permitira um auto-battle de verdade.

Uma novidade relevante é o sistema de tension. Agora todo personagem tem uma ação disponível para gastar o turno acumulando tension. Tension torna ataques, habilidades e magias mais fortes (inclusive curas e buffs), e permite que eles ignorem alguns tipos de defesa dos inimigos. É possível acumular até 4 níveis de tension, apesar de que a tentativa de subir do penúltimo para o último nível tem chances de falhar. Quando uma ação que "consome" tension é usada, ela volta a zero. Tension também pode ser perdida se o personagem for imobilizado ou através de certas habilidades inimigas. É possível montar combos poderosos mas, evitando os problemas do stock de Xenosaga 2, isso nunca é necessário para combates normais, e nem para a maioria dos chefes. Ainda assim, isso é muito útil para chefes e batalhas longas, pois carregar tension 3 vezes e atacar é mais forte que atacar 4 vezes seguidas, por exemplo. Por outro lado, há o risco de algo arruinar o seu acúmulo no meio do processo e é preciso administrar isso.

Conclusão

Dragon Quest 8 é um dos melhores JRPGs do Playstation 2 e de longe o melhor jogo da série Dragon Quest para mim. Aliás, é até meio difícil comparar ele com qualquer um dos anteriores. É quase como comparar o remake de Dragon Quest 4 com Dragon Quest 1.



Esse jogo parece reunir tudo o que há de melhor em Squaresoft, Enix e Level 5. Quase todas as suas novidades são bem vindas e bem executadas e ele finalmente abraça as qualidades da geração em que está inserido. Dragon Quest 8 mantém os elementos clássicos que deveria, evolui com maestria os que altera e abandona muito do que precisava ser deixado de lado.

Algumas falhas e imperfeições aqui e ali não chegam nem perto de serem suficientes para manchar a experiência extremamente agradável que foi viajar por esse mundo.



Eu fiz o final normal com pouco menos de 70 horas de jogo, e meu save com todo o conteúdo opcional concluído contabilizou 80 horas. Vale lembrar que eu tratei de enrolar bastante e ir com calma em tudo. É possível terminar em bem menos tempo.

Dragon Quest 8 possui um port para smartphones, mas ele é baseado na versão japonesa e não tem as melhorias de interface, a trilha sonora orquestrada e nem a dublagem. A orientação obrigatoriamente em modo retrato pode incomodar também. Ela havia funcionado bem para o remake de Dragon Quest 4, mas aquele era baseado na versão de DS, que era bem fácil de transpor para esse aspecto, além da jogabilidade ser mais simples e com visão superior, o que facilitava controles aceitáveis pela tela de toque.



Também existe um remaster razoavelmente recente para 3DS. Ele trás algumas novidades, como conteúdo extra, mais personagens para o grupo, a eliminação de encontros aleatórios em prol de inimigos visíveis em campo e algumas melhorias de conveniência, mas não possui a trilha sonora orquestrada e os gráficos sofreram um notável downgrade, principalmente no overworld.


Baha


Billy Lee Black

Excelente review de um excelente jogo, Ragazzo!

Baha


Billy Lee Black

Quote from: Baha on Nov 24, 2018, 10:40:19
Quote from: Billy Lee Black on Nov 21, 2018, 09:03:02Ragazzo!
Dá pra jogar com o Morrie na versão de 3DS.

Hahaha, que massa. Eu chamo ele de Mr. Satan italiano :lol: